Atento-me ao poema de Eugénio de Andrade absolutamente fabuloso…
Adeus
Já gastámos as palavras
Adeus
Já gastámos as palavras
pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos
com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio
e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras
Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto
Antigamente tínhamos tanto
para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias:
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias:
os teus olhos são peixes verdes
E eu acreditava.
Acreditava, porque ao teu lado todas
E eu acreditava.
Acreditava, porque ao teu lado todas
as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que
Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que
o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto,
E no entanto,
antes das palavras gastas,
tenho a certeza
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse:
as palavras estão gastas.
Adeus.
Eugénio de Andrade
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse:
as palavras estão gastas.
Adeus.
Eugénio de Andrade
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