quinta-feira, 10 de julho de 2008

Simplesmente...


Atento-me ao poema de Eugénio de Andrade absolutamente fabuloso…

Adeus

Já gastámos as palavras

pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega

para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos

com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio

e as pedras das esquinas

em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras

e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto

para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias:

os teus olhos são peixes verdes
E eu acreditava.
Acreditava, porque ao teu lado todas

as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,

era no tempo em que

o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos

eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,

uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.

Quando agora digo: meu amor,

já não se passa absolutamente nada.
E no entanto,

antes das palavras gastas,
tenho a certeza

de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.

Dentro de ti

não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse:
as palavras estão gastas.
Adeus.


Eugénio de Andrade

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